segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Eutanásia

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Será a eutanásia eticamente permissível?
Introdução
   Este trabalho aborda o tema eutanásia. Esta pode ser entendida por “Suicídio Assistido” ou “Morte Voluntária”. Este tema já vem a ser debatido desde há muitos séculos atrás, contudo continua a ser controverso e chocante, uma vez que interfere com determinados princípios (éticos, religiosos e jurídicos...), assim como choca inevitavelmente com a concepção criada em redor do valor da vida e da dignidade humana.
Direito de Matar ou Direito de Morrer?

A palavra "EUTANÁSIA" é composta de duas palavras gregas ― "eu" e "thanatos" ― e significa, literalmente, "uma boa morte". Na actualidade, entende-se geralmente que "eutanásia" significa provocar uma boa morte ― "morte misericordiosa", em que uma pessoa acaba com a vida de outra pessoa para benefício desta. Este entendimento da palavra realça duas importantes características dos actos de eutanásia. Primeiro, que a eutanásia implica tirar deliberadamente a vida a uma pessoa; e, em segundo lugar, que a vida é tirada para benefício da pessoa a quem essa vida pertence ― normalmente porque ela ou ele sofre de uma doença terminal ou incurável. Isto distingue a eutanásia da maior parte das outras formas de retirar a vida.
Todas as sociedades que conhecemos aceitam algum princípio ou princípios que proíbem que se tire a vida. Mas há grandes variações entre as tradições culturais sobre quando é considerado errado tirar a vida. Se nos voltarmos para as raízes da nossa tradição ocidental, verificamos que no tempo dos gregos e dos romanos, práticas como o infanticídio, o suicídio e a eutanásia eram largamente aceites. Tirar uma vida humana inocente é, nestas tradições, usurpar o direito de Deus de dar e tirar a vida. Escritores cristãos influentes viram-no também como uma violação da lei natural. Os filósofos britânicos (em particular David Hume, Jeremy Bentham e John Stuart Mill)
puseram em questão a base religiosa da moralidade e a proibição absoluta do suicídio, da eutanásia e do infanticídio.   Aqueles que defenderam a admissibilidade moral da eutanásia apresentaram como principais razões a seu favor a misericórdia para com pacientes que sofrem de doenças para as quais não há esperança e que provocam grande sofrimento e, no caso da eutanásia voluntária, o respeito pela autonomia. Actualmente, certas formas de eutanásia gozam de um largo apoio popular e muitos filósofos contemporâneos têm sustentado que a eutanásia é moralmente defensável. A oposição religiosa oficial (por exemplo, da Igreja Católica Romana), no entanto, manteve-se inalterada, e a eutanásia activa continua a ser um crime em todas as nações com excepção da Holanda e da Bélgica. Aí, a partir de 1973, um conjunto de casos jurídicos estabeleceram as condições de acordo com as quais os médicos, e apenas os médicos, podem praticar a eutanásia: a decisão de morrer deve ser a decisão voluntária e reflectida de um paciente informado; tem de existir sofrimento físico ou mental considerado insuportável por aquele que sofre; não haver outra solução razoável (i.e. aceitável pelo paciente) para melhorar a situação; e o doutor tem de consultar outros profissionais superiores.
Para analisarmos melhor o assunto sobre a eutanásia é necessário estabelecer algumas distinções. A eutanásia pode ter três formas: voluntária, não - voluntária e involuntária.
Eutanásia voluntária, não - voluntária e involuntária
Há uma relação estreita entre eutanásia voluntária e suicídio assistido, em que uma pessoa ajuda outra a acabar com a sua vida (por exemplo, quando A obtém os medicamentos que irão permitir a B que se suicide). Um exemplo deste caso é o de Ramón Sampedro:
Ramón Sampedro era um espanhol, tetraplégico desde os 26 anos, que solicitou à justiça espanhola o direito de morrer, por não mais suportar viver. Ramón Sampedro permaneceu tetraplégico por 29 anos. A sua luta judicial demorou cinco anos. O direito à eutanásia activa voluntária não lhe foi
concedido, pois a lei espanhola caracterizaria este tipo de acção como homicídio. Com o auxílio de amigos planejou a sua morte de maneira a não incriminar sua família ou seus amigos. Em Novembro de 1997, mudou-se de sua cidade, Porto do Son/Galícia-Espanha, para La Coruña, 30 km distante. Tinha a assistência diária de seus amigos, pois não era capaz de realizar qualquer actividade devido a tetraplégica. No dia 15 de Janeiro de 1998 foi encontrado morto, de manhã, por uma das amigas que o auxiliava. A necropsia indicou que a sua morte foi causada por ingestão de cianeto. Ele gravou em vídeo os seus últimos minutos de vida. Nesta fita fica evidente que os amigos colaboraram colocando o copo com um canudo ao alcance da sua boca, porém fica igualmente documentado que foi ele quem fez a acção de colocar o canudo na boca e sugar o conteúdo do copo. A repercussão do caso foi mundial, tendo tido destaque na imprensa como morte assistida.
A amiga de Ramón Sampedro foi incriminada pela polícia como sendo a responsável pelo homicídio. Um movimento internacional de pessoas enviou cartas "confessando o mesmo crime". A justiça, alegando impossibilidade de levantar todas as evidências, acabou por arquivar o processo.
  Mesmo que a pessoa já não esteja em condições de afirmar o seu desejo de morrer quando a sua vida acabou, a eutanásia pode ser voluntária. Pode-se desejar que a própria vida acabe, no caso de se ver numa situação em que, embora sofrendo de um estado incurável e doloroso, a doença ou um acidente tenham tirado todas as faculdades racionais e já não seja capaz de decidir entre a vida e a morte. Se, enquanto ainda capaz, tiver expresso o desejo reflectido de morrer quando numa situação como esta, então a pessoa que, nas circunstâncias apropriadas, tira a vida de outra actua com base no seu pedido e realiza um acto de eutanásia voluntária.
A eutanásia é não - voluntária quando a pessoa a quem se retira a vida não pode escolher entre a vida e a morte para si ― porque é, por exemplo, um recém-nascido irremediavelmente doente ou incapacitado, ou porque a doença ou um acidente tornaram incapaz uma pessoa anteriormente capaz, sem que essa pessoa tenha previamente indicado se sob certas circunstâncias quereria ou não praticar a eutanásia.
A eutanásia é involuntária quando é realizada numa pessoa que poderia ter consentido ou recusado a sua própria morte, mas não o fez ― seja porque não lhe perguntaram, seja porque lhe perguntaram mas não deu consentimento, querendo continuar a viver. Embora os casos claros de eutanásia involuntária possam ser relativamente raros, houve quem defendesse que algumas práticas médicas largamente aceites (como as de administrar doses cada vez maiores de medicamentos contra a dor que eventualmente causarão a morte do doente, ou a suspensão não consentida ― para retirar a vida ― do tratamento) equivalem a eutanásia involuntária.

Eutanásia activa e passiva
Até agora, definimos "eutanásia" de forma vaga como "morte misericordiosa". Há, contudo, duas formas diferentes de provocar a morte de outro; pode-se matar administrando, por exemplo uma injecção letal, ou pode-se permitir a morte negando ou retirando tratamento de suporte à vida. Casos do primeiro género são vulgarmente referidos como eutanásia "activa" ou "positiva", enquanto casos do segundo género são frequentemente referidos como eutanásia "passiva" ou "negativa". Quaisquer dos três géneros de eutanásia indicados anteriormente ― eutanásia voluntária, não - voluntária e involuntária ― tanto podem ser passivos ou activos.
Um caso de eutanásia não - voluntária passiva recente é o de Terry Schiavo.
  Theresa Marie (Terri) Schindler-Schiavo, de 41 anos, teve uma paragem cardíaca, em 1990, talvez devido a perda significativa de potássio associada a Bulimia, que é um distúrbio alimentar. Ela permaneceu, pelo menos, cinco minutos sem fluxo sanguíneo cerebral. Desde então, devido a grande lesão cerebral, ficou em estado vegetativo, de acordo com as diferentes equipas médicas que a trataram. Após longa disputa familiar, judicial e política, foi-lhe retirada a sonda que a alimentava e hidratava, tendo vindo a falecer em 31 de Março de 2005.
O Caso Terri Schiavo tem tido grandes repercussões nos Estados Unidos, assim como noutros países, devido a discordância entre seus
familiares na condução do caso. O esposo, Michael Schiavo, desejava que a sonda de alimentação fosse retirada, enquanto que os pais da paciente, Mary e Bob Schindler, assim como seus irmãos, lutaram para que a alimentação e hidratação fossem mantidas. Por três vezes o marido ganhou na justiça o direito de retirar a sonda. Nas duas primeiras vezes a autorização foi revertida.   Em 19 de Março de 2005 a sonda foi retirada pela terceira vez, permanecendo assim até a sua morte. Este caso tem sido relatado na imprensa leiga como sendo uma situação de eutanásia, mas pode muito bem ser enquadrado como sendo uma suspensão de uma medida terapêutica considerada como sendo não desejada pela paciente e incapaz de alterar o prognóstico de seu quadro.
A sociedade tem se manifestado nestes 15 anos tanto a favor quanto contra a retirada da sonda de alimentação através de manifestações públicas e acções continuadas. Alguns questionam o direito de uma outra pessoa poder tomar esta decisão, por representação, tão importante em nome de outra. Outros discutem a questão de recursos já gastos na manutenção de uma paciente sem possibilidade de alterar o seu quadro neurológico.
A imprensa mundial tem dado destaque a esta situação, além dos  noticiários, em programas de debates, pesquisas de opinião, apresentando uma perspectiva meramente dicotómica* ou maniqueísta **. As pessoas são forçadas a se posicionarem apenas de forma contra ou a favor.
Este caso permite abordagens múltiplas. A questão  central pode ser a da tomada de uma decisão desta magnitude por um representante legal que tem questionado a sua defesa dos melhores interesses da paciente. Outras questões como má prática profissional, conflitos de interesse de profissionais, familiares, políticos, advogados e juízes, privacidade, autodeterminação, veracidade, justiça, beneficência, eutanásia versus homicídio, eutanásia versus retirada de tratamento, entre outras, podem ser levantadas. Este caso é um exemplo da transformação de uma decisão privada, que deveria ter sido tomada no âmbito familiar, para a esfera pública, de uma questão de atender ao melhor interesse da paciente, para transformar-se em um espectáculo.
*Dicotómica – Bifurcado (certo/errado)
**Maniqueísta – Aquele que admite um principio do bem  e um principio do mal, independentes e em luta um contra o outro.
Há um amplo acordo em que as omissões tal como as acções podem constituir eutanásia. A Igreja Católica Romana, na sua Declaração sobre a Eutanásia, por exemplo, define eutanásia como "uma acção ou omissão que por si própria ou por intenção causa a morte" . A discordância filosófica tem por origem a questão de saber quais as acções e omissões que constituem casos de eutanásia. Assim, às vezes nega-se que um médico, que se recusa a ressuscitar um recém-nascido gravemente incapacitado, esteja a praticar eutanásia (não - voluntária passiva), ou que um médico, que administra doses cada vez maiores de um medicamento para as dores que sabe que acabará por resultar na morte do doente, esteja a praticar algum género de eutanásia. Outros autores defendem que sempre que um agente pratica uma acção ou omissão que deliberada e intencionalmente resulta na morte prevista do doente, realizou eutanásia activa ou passiva.
Apesar da grande diversidade de pontos de vista sobre este assunto, os debates sobre a eutanásia têm-se centrado sobretudo em certos temas:
Ø O facto de a morte ser activamente (ou positivamente) provocada, em vez de ter ocorrido em consequência dos tratamentos de suporte à vida terem sido recusados ou retirados, é moralmente relevante?
Ø Deve-se usar sempre todos os meios de suporte à vida disponíveis, ou há certos meios "extraordinários" ou "desproporcionados" que não é necessário empregar?
Ø O facto de a morte do doente ser directamente desejada, ou acontecer apenas como uma consequência antecipada da acção ou omissão do agente, é moralmente relevante?
Acções e omissões/Matar e deixar morrer

Há alguns problemas em distinguir entre matar e deixar morrer, ou entre eutanásia activa e passiva. Se a distinção entre matar e deixar morrer se apoiasse meramente na distinção entre acções e omissões, então o agente que, digamos, desliga a máquina que suporta a vida de outro, mata este, enquanto o agente que se recusa à partida a colocar alguém numa máquina de suporte à vida, permite apenas que alguém morra. Uma sugestão plausível é que vejamos matar como dando início a um curso de acontecimentos que levam à morte; e permitir morrer como não intervindo num curso de acontecimentos que levam à morte. Segundo este esquema, a administração de uma injecção letal seria matar; enquanto que não pôr um paciente num ventilador, ou tirá-lo, seria deixar morrer.
É a distinção entre matar e deixar morrer, ou entre eutanásia activa e passiva, moralmente significativa? Matar uma pessoa é sempre moralmente pior do que deixá-la morrer?
Houve também quem defendesse que esta distinção entre "fazer acontecer" e "deixar acontecer", é moralmente importante na medida em que põe limites aos deveres e responsabilidades que um agente tem de salvar vidas. Embora evitar matar alguém exija pouco ou nenhum esforço, normalmente salvar alguém exige esforço. Se matar e deixar morrer estivessem moralmente ao mesmo nível, assim continua o argumento, seríamos tão responsáveis pela morte daqueles que não conseguimos salvar como somos pela morte daqueles que matamos.
Quando utilizamos todos os meios de suporte à vida disponíveis, sendo alguns considerados “extraordinários”, estamos perante o conceito de distanásia, considerada contrária à eutanásia.
Distanásia
A distanásia (do grego “dis”, mal, algo mal feito, e “thánatos”, morte) é etimologicamente o contrário da eutanásia. Consiste em atrasar o mais possível o momento da morte usando todos os meios, proporcionados ou não, ainda que não haja esperança alguma de cura, e ainda que isso signifique infligir ao moribundo sofrimentos adicionais e que, obviamente, não conseguirão afastar a inevitável morte, mas apenas atrasa -lá umas horas ou uns dias em condições deploráveis para o doente.
Podemos, assim concluir que este tema polémico será sempre refutado por aqueles que apelam pelo “direito à vida”, em contrapartida existem aqueles que questionam o “Valor da vida” e a sua dignidade.

Testemunhos de familiares de pessoas que passaram pela eutanásia.
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Terri Schiavo era uma adolescente obesa que iniciou dieta rigorosa, que se prolongou alguns anos. Terri emagreceu de tal maneira que acabou por desfalecer. A dieta provocou, assim, uma tal desordem alimentar que conduziu a uma desregularão dos níveis de potássio no organismo, entrando num estado vegetativo permanente, necessitando do auxílio de um tubo para ser alimentada. O seu marido enfrentou judicialmente os pais de Terri para por fim ao estado deplorável em que a mesma se encontrava, o que foi autorizado cerca de 15 anos depois em 2005, ano em que morreu.
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Nancy Cruzan sofreu um grave acidente de automóvel em 1983, com 25 anos de idade. Entrou em coma vegetativo permanente. O seu caso foi discutido nos tribunais durante alguns anos, dada a sua convicção de realizar a eutanásia. Os juízes acabaram por deliberar a sua morte, desligando, deste modo, as máquinas que a mantinham viva em 1990
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Ramón Sampedro ficou tetraplégico quando tinha 26 anos, ficando neste estado durante 29 anos. Solicitou, em 1993, a autorização para morrer, no entanto não lhe foi concedida. Contra a justiça espanhola, Ramón planeia a sua morte com o auxílio dos seus amigos. Em 1998 é, desse modo, encontrado morto em Galiza. Os seus últimos momentos da sua vida estão gravados num vídeo, onde se regista uma acção consciente de morte. Em 2003, Alejandro Amenábar realizou um filme inspirado em Ramón com o título Mar Adentro.
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Vincent Humbert, um jovem de 20 anos, teve um grave acidente de automóvel em 2000, do qual resultou um coma que durou nove meses. De seguida foi-lhe diagnosticado que se encontrava tetraplégico, cego e surdo, sendo o único movimento corporal o seu polegar direito, com o qual comunicava. Deste modo, solicitava aos médicos a prática da eutanásia. No entanto foi-lhe recusada, pois na França a eutanásia é ilegal. Vincent pede ajuda à mãe para o matar, com o auxílio do médico. Após a situação, a mãe de Vincent acaba por ser presa. Vincent escreve um livro com o seu polegar, de 188 páginas, intitulado “Eu peço-vos o direito de morrer”.

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